domingo, 4 de julho de 2010

03 de Julho – Cabaret – O que pode um corpo?

Sexta á noite em Porto Alegre significa um dos meus terrores pessoais. Sair ou não sair? Admitir minha composição nerdiana e aceitar o fato de que eu não sou de sair? Ou forçar esta composição até o limite – forçando também a composição de mal vestido e preguiçoso – e sair? Nesta sexta não foi diferente. Pesando prós e contras, fui. De saída, percebi que estava ali, mas, em uma posição diferenciada da dos demais. Ah,em tempo, resolvi que,dessa vez, não ia forçar os meus limites com a ingestão de álcool.
Bom, o lugar estava apertado ( crowded, definiria melhor), muito apertado. Andar era uma tarefa árdua. Em pouco tempo, pouco mesmo, me dei conta de que o aperto estava adequado á proposta. Aquele lugar estava tomado por corpos de pessoas entre 20 e 30 anos – preferencialmente - buscando, a qualquer preço, um toque ( quem sabe até um toque retal), um abraço, um beijo, algum tipo de contato. Talvez nem tanto. Um contato mínimo ( alguém agarrou minha mão enquanto eu passava, um outro me segurou pelo ombro, etc). Pensei na fragilização das relações,da virtualização e imaterialidade pós modernas, e na insegurança em que isso joga o homem moderno – sempre sedento de prazeres efêmeros e de custo baixo - o consumo de crack apenas aglutina tudo isso á custos baixos e prazeres intensos.
Na hora fiquei chocado – tanto quanto me chocou pensar nisso em plena muvuca. Mas sim, eram “corpos abertos” a qualquer coisa que lembrasse um encontro (Obrigado, Spinoza. Uns se moviam de um lado para o outro, outros se flechavam com olhares dissimulados e pidões. Olhos de quem tem fome, e não é uma fome qualquer. Minha ideia é de que esses olhos querem mais, eles podem mais. Talvez não tenham se dado conta mas, sexo rápido e mal feito em um box imundo de banheiro, não é o máximo que eles podem extrair de um outro corpo. Há mais. Muito mais.
Na modernidade, pensei uma hora dessas, o sexo vem primeiro e a intimidade, quem sabe, depois, então, o que mais esses corpos se atreveriam a pedir? O que mais lhes é permitido querer? O fato de estar em uma posição especular a deles – eu ontem não queria pessoas, queria música, cerveja e dançar sozinho. Acabou permitindo que eu entendesse um pouco disso. A música tema do meu momento ontem era “Hoje eu quero sair só” - Lenine.


Como o tema da festa eram os anos noventa do século vinte, em algum ponto, foi tocada a música que me pareceu esclarecer tudo. Ou, pelo menos, dar as chaves de entendimento para todo aquele movimento que se passava a meu redor



Hello, Hello, How low? Quão devagar da pra ir em uma geração que por ter tudo de forma imediata? Devagar? Pra quê? The show must go on, never stops the music, walk on. Não dá, não há espaço para lacunas onde caibam pensamentos, dúvidas ou outras necessidades. Na verdade, acredito que eles até apareçam, misturados a um gosto azedo de ressaca na boca nas manhãs seguintes, mas, logo em seguida são tamponados por Luftal, Engove, Chá de boldo com paracetamol, perdendo assim, seu potencial de incomodo. Não é à toa que esta noite nunca acaba. Ela não pode acabar. Meu limite foi ás 7 da manhã. Os outros, não sei. Parece que as noites ali se estedem até as 10 da manhã.

Estou ciente de que este escrito está repleto de um tom moral. Provavelmente da moral cristã. Contudo, meu ethos foi construído a partir desta orientação, havendo sim, noções dela que ainda estão, e irão estar, presentes em mim. Sendo assim, mais do que julgar os viventes da noite pela sua ação, os interrogo pelos seus ethos. Os interrogo pelo quanto aquele lugar aumenta as suas potencias de ação. O quanto - a noite sendo um estado de exceção - ela não tampona a necessidade de que os meninos com meninos e as meninas com meninas ali inseridos, saiam dali para brigar pelo direito de se beijarem e abraçarem em espaços outros.
Posso estar errado sobre isso tudo, mas, a cada dia me descubro mais antropólogo em marte, me encontrando com os lugares e mais os observando de fora – durante esta noite depois de um tempo, fiquei de costas para as pessoas e de frente para o lugar de onde emanava o som. Isso precisa de discussão. Reativarei agora Haroldo Gabriel.

PS: Fui taxado de preconceituoso em relação a um beijo gay. Isso foi hilário. Eu estava morto de cansaço. Muito cansado mesmo. Bocejava, então com uma certa frequência. Um ser humano a meu lado me perguntou se eu estava incomodado pelo beijo deles. Eu disse que absolutamente não e segui rindo. Coisas de Porto Alegre.

2 comentários:

  1. Parece que a gente tava conversando, escutei a tua voz e tua entonação, ou intonação? Sei lá... Adorei o colorido dos livros. E preciso afirmar que tu não tava tão distante nem tão espectador assim, te senti foi na mistura!

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  2. André,
    Dentro dessa mistura da noite talvez experimentar o fortuito seja bem bom, potente. Os bons encontros nem sempre precisam de "muito mais", eles são muito mais em si por que potentes por definição.
    quando cartografamos territórios existenciais, cartografamos os nós que há em nós... e podemos encontrar de tudo! O legal está em buscar até onde pode o corpo, prudentemente no sentido spinozano!
    Sigo desejando que as terras gaúchas te ofertem muitas intensidades, descobertas, potencias inimagináveis para você.
    Beijos, querido

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