Giacoia - Aula sobre o aforismo 354 da Gaia Ciência
Não é nada simples ler algo que tenta descostruir aquilo sobre o qual se erige os fundamentos da modernidade. Num sábado, já sem muito saco para as coisas, resolvi me aventurar sobre umas aulas do Giacoia sobre Nietzsche. Liguagem, consciência, rebaho e o corpo como fundamento para uma nova forma de se pensar a subjetividade. Topei a parada. Entrei no msn para ver se flávio estava on line para discutir minhas impressões sobre o texto. Nada. Pensei em Isaac. Sábado á noite, há mais o que se fazer. Não aqui com essa chuva chata e com a preguiça de viver que me assola. Diário é lugar de construção e de dúvidas, so, vamos lá.
Aqui tá o texto : http://www.rubedo.psc.br/artigosb/curniti1.htm
Vou recortar pedaços que eu sublinaria e colar aqui.
A arte é mais verdadeira do que a ciência significa simplesmente que a arte é um saber perspectivo que se sabe perspectivo, enquanto a ciência é um saber igualmente perspectivo, mas que pretende ser mais que isso. Então, neste sentido, a arte é mais verdadeira do que a ciência, por conseguinte, a arte é preferível à ciência.
Comentário: Por isso que eu acho que a psicoterapia é arte.
Professor: Então, essa é uma das discussões que se insere nesse oceano de tintas, a propósito da frase nietzschiana. Mas não me parece que isso seja uma afirmação com muito trânsito entre os terapeutas.
Comentário: Só entre os junguianos, entre os freudianos não.
Pergunta: A perspectiva do Guattari de fazer as ciências sociais, passarem da perspectiva científica para a perspectiva estética está ancorada nesta discussão?
Professor: Sem sombra de dúvida. Aliás, não por acaso, Guattari teve tanto tempo junto com o Deleuze, que andou a vida toda junto com Nietzsche.
Professor: No caso do Nietzsche, radicalmente, é uma coisa individual. Você percebe Dornelis porque exatamente Nietzsche usa as palavras tão estridentes? Por que em vez dele falar comunidade, ele fala rebanho? Por que em vez dele falar ilusão, ele fala tolice, estupidez?...
Comentário: Porque é para provocar.
Professor: Exatamente. É propositadamente estridente; é para tomar todo esse discurso consagrado na modernidade como o discurso legítimo, o discurso, o verdadeiro, o correto, o justo, etc., para tomar precisamente isso como sendo objeto de crítica. E é por isso que as figuras que o Nietzsche constrói, por exemplo, a imagem do forte e do fraco, do senhor e do escravo; quer dizer, são todas elas escolhidas a dedo com o objetivo de caminhar contra a corrente daquilo que são as idéias modernas, para ele; daquilo que é considerado como bom e justo no mundo moderno. Então, por exemplo, a crítica feroz dele à leitura de jornal. De vez em quando você se impressiona, por que ele critica tanto esse negócio de leitura de jornal.
Comentário: Porque é do rebanho.
Professor: Porque, para ele, significa formação massiva da consciência e da opinião.
Pergunta: E o que ele acharia da TV a cabo, da Globo e da globalização?
Professor: Pois é, mas isso é bem avant à la lettre uma crítica da cultura de massa. O que significa massificação da cultura? Significa, para Nietzsche, a mais extrema negação da cultura. Ou seja, qualquer tipo de globalização da opinião, significa negação do espírito. Por que negação do espírito? Porque é a impossibilidade de você pensar por si, você tem sempre que pensar heteronomamente em função de alguém que determina as coordenadas da sua percepção, do seu gosto, do seu juízo, enfim.
Ou seja, que a humanidade se congele, se fixe, nesta uniformidade, e que seja incapaz de se elevar para além de si mesmo. É esse o perigo que é pior do que morte.
Comentário: O modelo da sociedade americana.
Professor: Isso. Exatamente. Por que esse perigo é pior do que a morte?
Resposta: Porque ele intimida.
Professor: Não, é porque esteriliza o futuro. Ou seja, a morte mata simplesmente aquilo que nós somos hoje; esse perigo, ou seja, o perigo envolvido na possibilidade da reprodução infinita do mesmo, mata qualquer futuro.
Somos desiguais. A idéia de uma identidade de natureza, de uma natureza humana igual para todos, é precisamente isso que está sendo questionado, como uma forma do discurso religioso. A idéia de uma comunidade de natureza, é exatamente uma idéia, para Nietzsche, de fundo religioso, uma idéia fundamentalmente socrático-cristã. A idéia de Nietzsche, não é a idéia de uma superioridade racial ou uma superioridade fundada na diferença política, econômica ou social; na verdade, o que Nietzsche está estabelecendo aqui é uma diferença fundada justamente na singularidade de cada indivíduo.
Aquilo que Nietzsche chama de amigo é oposto ao que nós, no Ocidente, chamamos de o próximo. Então, há um belo parágrafo do Zaratustra, exatamente sobre o amigo, sobre o amigo, o distante; o distante justamente para fugir da idéia do próximo, no sentido de mostrar o que é que significa ser amigo contrariamente a ser um próximo do seu outro, do seu amigo. Ser amigo significa exatamente deixar o outro ser, por conseguinte, servir de alguma forma de estímulo permanente, para que o outro seja o outro mesmo singularmente, e não uma espécie de reflexo de si. O reflexo de si é a perspectiva do amor ao próximo.
Aliás, alguém que toma como ponto de partida a fisiologia, ele vai dizer isso, especificamente a fisiologia e o corpo, e no entanto não pode ser chamado de materialista. Por que? Porque materialismo e espiritualismo são correntes opostas da metafísica, de modo que um só faz sentido em relação ao outro. E o que ele vai querer fazer é denunciar simultaneamente a ilusão dos dois opostos. Ou seja, quem se mantém num ou noutro extremo, permanece negativamente ligado ao extremo oposto; por conseguinte, mantém-se a oposição, que é a metafísica.
Comentário: Mais uma vez ele mostra a sua afiliação ao Espinosa.
Professor: Sem dúvida. Isso nós vamos ver claramente.
Aqui está um dos pontos centrais do pensamento de Nietzsche, ou seja, a alma é entendida, no sentido nietzschiano, não como princípio unitário, mas exatamente como multiplicidade, como pluralidade; ou seja, como a idéia de uma unidade que resulta da composição da organização. Ou seja, aquilo que mais ilustra a alma, é o corpo; porque o corpo é precisamente unidade de organização, o corpo é pluralidade de sujeitos. Se vocês pensam na subjetividade de cada órgão ou de cada elemento de cada órgão.
o novo psicólogo é exatamente aquele que ao inventar uma nova representação, pode talvez encontrar alguma coisa. Ou seja, é aquele para quem talvez não exista mais diferença entre inventar e encontrar. Ou seja, aquele para quem Erfinden e Finden são movimentos que se dão no mesmo nível. Ou seja, é muito possível que ao inventar uma nova hipótese sobre a alma, isso possa servir de meio auxiliar, ou de princípio heurístico para encontrar alguma coisa. E que essa no fundo é a função das teorias científicas. Elas são invenções que talvez tornem possível efetivamente algum encontro.(...)e por que o novo? Porque o velho psicólogo é aquele que continua preso na metafísica do povo, ou seja, nas ilusões da gramática.
andré - eu penso ( descartes) x eu sou um corpo ( nietzsche)
Então, a idéia nietzschiana aqui é a idéia de que a consciência é o governante, de que a consciência é a função psíquica mais elevada, mas precisamente uma função. Ou seja, uma função dirigente, uma função de direção e de traçar diretrizes, planificações e tudo mais, mas não como algo absolutamente autárquico em relação a divisão do trabalho e aos outros elementos da organização; ao contrário, a função diretora da consciência é, precisamente como função, dependente propriamente da hierarquia e da divisão do trabalho. Portanto, é essa unidade de organização fundada na hierarquia e na diferenciação das funções; e mais especificamente é exatamente a possibilidade desta hierarquia que garante o funcionamento destas funções psíquicas consideradas superiores. Repito: a superioridade da consciência e das funções diretoras da consciência não significa uma autarquia em relação as outras funções psíquicas e corporais, mas significa um elemento a mais nesse sistema, de tal forma que essa posição diretora proeminente da consciência é inteiramente dependente da hierarquia das forças, da hierarquia das funções e da divisão do trabalho.
algumas horas depois, acabei a primeira aula. COm o tempo, tratarei das demais.
ps: os comentários desses alunos são uma coisa, ao lê-los eu me sinto absolutamente tapado.
Tá perdoado por não ter aparecido lá ontém. Mas tava tão diver, tomei o pileque.
ResponderExcluirAdorei encontrar no texto a associação que cada vez mais quero encontrar entre terapia e arte. É sempre arte que se busca, tá na arte a saúde, o oxigênio.