sábado, 18 de dezembro de 2010

Nietzsche é um bom companheiro - aula III

Durante o semestre, acabei me tornando muito mais íntimo do Nietzsche. Zaratustra e seu cajado me guiaram por entre o mundo da experiência trágica e, com isso, possibilitaram o o retorno da minha relação com a psicanálise. Neste meio tempo, ainda, conheci a Rachel - filha do giacoia. Ontem, repassei a aula sobre o nietzsche para  isaac. Hoje, tava lendo a Hermeneutica do Sujeito do Foucault e, mesmo sabendo que este tipo de leitura fica muito melhor em tempos de férias, retomarei este material.


Se vocês lerem o prefácio de Para a Genealogia da Moral, ele vai dizer o seguinte:
"Os meus escritos são compostos de tal maneira que interpretá-los exige uma faculdade muito especial, que os homens modernos não têm, uma faculdade de ruminação; para entender os meus escritos precisa ser de alguma forma vaca, isto é, precisa ter capacidade de ruminar e perder tempo com eles"
Professor: Há uma frase de um texto tardio de Nietzsche que diz o seguinte: "Eu não sei o que significa uma verdade objetiva, todas as verdades são para mim verdades sangrentas". No fundo, para usar outra imagem do mesmo período, se você não escreve com seu próprio sangue, a sua relação com aquilo que você escreve, pensa, e eventualmente divulga, é uma relação simplesmente exterior e artificial. E não é exatamente esse o tipo de leitor ideal para Nietzsche, pois, para ele, o leitor ideal é aquele que, não necessariamente concorda com aquilo que lê em um autor, mas que realmente assimila, do ponto de vista das suas vivências mais profundas, aquilo que lê. Ou seja, aquele para quem o problema da verdade, o problema da autenticidade numa teoria, não é simplesmente um problema lógico.


Aqui se conclui segundo o hábito gramatical: "pensar é uma atividade, toda a atividade requer um agente, logo -".
Analisando esta frase nós temos, aqui principalmente, uma caracterização por Nietzsche do processo que se encontra em curso quando nós fornecemos uma interpretação expressa por uma proposição do tipo "eu penso", ou seja, o estado mental que eu descrevo chama-se pensamento. Ora, pensamento é uma atividade, ora toda atividade pertence a um autor, logo a esta atividade pensar pertence necessariamente o sujeito do pensamento que sou eu. Agora, quem é que garante que sou eu que pensa? Por que necessariamente pensar tem que ser uma atividade para a qual é necessário um autor? Por que o pensamento tem que ser pensado como efeito de um sujeito? Nada disso Descartes explica na sua famosa "certeza imediata", tudo isso é encoberto exatamente pela imediatez e certeza de si do cogito mas, no entanto, diz Nietzsche, isso tudo é uma interpretação. E o que ele está fazendo aqui é mostrar os passos dessa interpretação. Ora, essa frase: "pensar é uma atividade, a toda atividade pertence um agente", qual é a categoria que está operando aqui? Que relação existe entre o agente e a atividade? Relação de causa e efeito, percebem? Quer dizer, todo processo é conduzido por um raciocínio de tipo causa e efeito, que os lógicos chamam de inferência causal, por isso que ele termina a frase antes do traço de separação com: logo. Ele quer chamar a atenção para a partícula, para o conectivo lógico, para o sinal de inferência. Com isso ele quer mostrar que se trata de um raciocínio e não de uma intuição. Trata-se conseqüentemente de uma dedução e não de uma presença imediata, dada. Portanto, por conseguinte, ou seja, por conseqüência...
Pergunta: É uma seção gramatical, é isso? Agora, eu gosto muito dessa idéia de concepção gramatical. Mas, é possível escapar disso?
Professor: Essa é uma grande pergunta.
Comentário: Eu estava ansiosa para chegar nisso...
Professor: Tais categorias são os modos como o pensamento se estrutura. A pretensão deste curso é explorar e clarificar, tanto quanto possível, isso e, sobretudo, as aporias que isso encerra. Isto que nós estamos vendo aqui agora é exatamente aquilo que a Amnéris leu no livro de Christoph Türcke. É isso que Christoph Türcke chama escândalo da razão. Ou seja, é esta operação de reflexão sobre os limites do pensamento e da linguagem. Apenas para adiantar um pouco, o que nós estamos vendo aqui é a construção daquilo que nós chamamos de mundo, ou seja, a construção dos objetos do pensamento. Ora, vai começar a ficar claro, a partir daqui, que o mundo do qual nós falamos, nós não temos absolutamente nenhuma garantia de que aquilo que nós chamamos de real tenha outra estrutura que não aquela que é determinada pela raiz lógico gramatical da nossa linguagem. Então, o que é o mundo objetivo, o que seria o real fora do pensamento é absolutamente inacessível, o real de que nós falamos é o real que nós construímos e nós o construímos a partir da estrutura fundamentalmente gramatical da nossa linguagem.

Ora, se para Descartes o "eu penso" só poderia subsistir porque justamente ele não era um raciocínio, mas uma certeza imediata, uma intuição do pensamento; e se nós descobrirmos que ele não é intuição, mas sim o efeito de um raciocínio, então a certeza do cogito está desqualificada. 
Professor: Exatamente. Logo, o que está em discussão aqui? Que este "eu" não é a alma, ou seja, que este "eu" não garante nenhum princípio de unidade espiritual, que esse "eu" é, repito, uma função da gramática.


Se você não traduzir nas formas da gramática, literalmente você não pensa, isto é, o pensar consciente é um pensar necessariamente lógico-gramatical.


Platão, fazer uma distinção entre essência e aparência, isso é ilegítimo, isso não tem nenhum sentido. Eu jamais poderia estabelecer esta diferença porque eu só posso pensar em termos da estrutura lógico-gramatical. Então, "coisa em si mesmo" e "fenômeno", essência e aparência, verdade e aparência, etc, tudo isto é uma diferenciação ilegítima, é uma imensa confusão, porque eu não posso jamais falar com sentido, ou pensar em poder estabelecer uma distinção entre aquilo que é a essência objetiva e aquilo que é aparência. Por quê? Porque todo o pensar é aparência. Todo pensar já se constrói a partir das formas e dos princípios da lógica e da gramática, então a própria distinção onde se funda o idealismo de Platão a Kant é uma falsa distinção, não existe possibilidade de se ultrapassar o nível da aparência.


Conhecimento como precisamente o contrário do desejo, do interesse, da inclinação, do apetite, da paixão, o conhecimento como objetividade, ou como busca da objetividade, como, portanto neutralização de todas as parcialidades, de toda parcialidade do interesse na imparcialidade do objetivo. Ora, o que Nietzsche está dizendo aqui é que o pensar justamente não é um meio para conhecer neste sentido, que não existe conhecimento neste sentido, que o pensar é a maneira que nós temos de ordenar o real, designar aquilo que acontece, tornar o real calculável, manipulável, previsível; ou seja, o pensamento é a maneira por meio da qual nós podemos introduzir nos acontecimentos ou naquilo que vem a ser, naquilo que se passa, nós introduzimos ordem, previsibilidade e, por conseguinte, possibilidade de manipulação. Então, o fim último do pensamento e do conhecimento não é a cognição da estrutura objetiva da realidade e sim tornar a realidade, para nós, manipulável, compreensível e previsível. Quer dizer, há uma certa função utilitária do pensamento e do conhecimento. 


E o que Nietzsche está querendo dizer aqui é que no fundo essa pretensão do sujeito cartesiano, esta pretensão do sujeito metafísico, é demasiadamente onerosa... Nós pretendemos obter para nós, por força da concepção tradicional do sujeito, algo assim como um estatuto substancial e essa substancialidade daquilo que nós somos seria dada precisamente pela consciência de si. E o que Nietzsche está querendo mostrar aqui é que a consciência de si é só fachada, é só arco-íris. Quer dizer, pretender tomar o arco-íris por alguma coisa efetivamente existente, que você pudesse tocar, segurar, fixar na unidade de uma substância. Mas ele não é senão efeito visual.
É o que Nietzsche está tomando aqui metaforicamente, usando a imagem do arco-íris, para mostrar exatamente o que somos nós quando nos pensamos substancialmente como consciência de si. Ou seja, permanecemos no nível dos puros efeitos imagéticos visuais sem tocar nenhum teor efetivo, nada que seja substantivo, substancial, embora tendo a ilusão de ser.
 


Então, a eficácia experimental das teorias científicas não garante a sua verdade ontológica, garante pura e simplesmente a sua qualidade de ordenação e possibilidade de manipulação do conjunto de eventos, nada mais. Então, não é porque a ciência dá certo que ela seja o contrário da aparência; ela é simplesmente uma aparência como as outras.


"Naquele célebre cogito se encontra: - (e ele está enumerando então a multiplicidade presente no cogito) - 1) pensa-se, 2) eu creio que sou eu que pensa, 3) mesmo admitindo que o segundo ponto permanecesse implicado, - (isto é, mesmo admitindo que sou eu que pensa) - como artigo de fé, ainda assim o primeiro ‘pensa-se’ contém ainda uma crença: a saber, que ‘pensar’ seja uma atividade para a qual um sujeito, no mínimo um ‘isto’ deva ser pensado - além disso, o ergo sum nada significa!"




ps: entendo pq levo tanto tempo em ir de uma aula a outra.   

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