terça-feira, 20 de setembro de 2016

Para pensar o modo de subjetivação militante, ou sobre porquê acreditar nas minhas intuições


Militância como modo de vida, Luiz Cláudio Figueirêdo, 1993.



em que pese esta variada implantação, penso que o tipo perfeito de militante foi aquele gerado pelos partidos ditos de esquerda e, mais particularmente, na tradição marxista-leninista. O exame desta militância nos será ainda mais elucidativo porque, além de concentrar paradigmáticamente os traços essenciais desta modalidade de subjetivação, ela exibe, de forma patética, a contradição entre as pretensões revolucionárias e transformadoras e a elaboração de identidades resistentes, reativas, defensivas e obturadas. (...) A identidade militante assenta-se, sustenta-se e garante-se em dois enquadres temporais: o do tempo longo dos princípios e ideais e o do tempo curto das urgências.

Tempo longo - tempo da revolução transcendental a luz do que tudo será avaliado. 
Tempo curto -  aquele no qual é preciso executar as tarefas fundamentias de um programa de ação repetitivo e estenuante


ao contrário do que pode parecer para quem olha a questão pelo viés policial, a clandestinidade é um reduto de segurança, é o grande dique a proteger as ficções que sustentam esta identidade contra as marés do tempo e as marolas do outro

Os discursos de autolegitimação da militância revolucionária  transitam sobre três eixos: o eixo da 'ação desalienada', o eixo do 'movimento inexorável da história' e o eixo do 'serviço prestado à causa'.

  1. O eixo da 'ação desalienada' reivindica para o militante a condição de verdadeiro sujeito por ter-se libertado dos constrangimentos sociais para se  assumir como senhor de sua própria vontade e artífice da própria vida.
  2. O eixo do 'movimento da história' reivindica para o militante a condição de 'verdadeiro sujeito' por ter-se transformado em veículo de impulsos sociais que seguem seu próprio rumo e no seu próprio ritmo, carregando consigo, com a força de uma vontade necessária e impositiva, os que se dispõem a ouvi-los e a fazê-los seus. [ CONSCIENTIZAÇÃO DO OUTRO]
  3. O eixo do 'serviço prestado' reivindica para o militante a condição de 'verdadeiro sujeito' por ser o intérprete e campeão abnegado de uma causa a cuja vontade ele se assujeita integralmente, incorporando-a e renunciando a qualquer direito individual. É neste contexto que se elaboram os vínculos de cega obediência ao partido e em que se fazem ouvir, como em nenhuma parte, as vozes da disciplina.
Apesar de tudo, enquanto conservou alguma credibilidade, a forma de subjetividade do militante marxista-leninista serviu de padrão da militância do século XX.

E m qualquer esfera em que seja exercida, a militância transforma a vida num jogo imaginário de estratégias que se destina a prever e calcular os acontecimentos de forma a lhes retirar qualquer propriedade efetivamente 'acontecimental'. A militância é uma defesa sistemática contra o acontecimento, é um dispositivo de vedação. (...)

Esta predominância da técnica na militância expõe de forma claríssima o investimento da vontade, que se arma com todos os recursos disponíveis, para o fortalecimento reativo de uma subjetividade acuada. É essa natureza defensiva e sintomática da militância que a torna, simultaneamente, um fenómeno característico do século XX , mas nostálgicamente orientado para os séculos anteriores nos quais a vontade podia gozar de uma posição muito mais sólida como princípio de unificação das identidades. E esta posição que fica comprometida na configuração contemporânea do espaço triangular formado pelos vértices do Liberalismo, do Romantismo e das Disciplinas, com suas mútuas atrações e seus antagonismos insuperáveis.

Referências Importantes do texto
FIGUEIREDO, Luís Cláudio (1992). A invenção do psicológico. Quatro séculos de subjetivação (1500-1900). São Paulo, Escuta-Educ



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